Necessidade (ou não) de registro de união estável em cartório de registro de imóveis
- João Mayer Advocacia

- 3 de out.
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Na vida civil, muitos casais optam pela união estável em detrimento do casamento. Para isso é altamente recomendável a lavratura de escritura pública de união estável, para formalizar todos os termos, condições, contexto e demais disposições úteis ao casal.
Lavrado o termo de união estável, nasce a dúvida sobre necessidade ou da recomendação acerca da averbação do termo de lavratura de união estável nas matrículas dos respectivos imóveis de propriedade de cada um dos conviventes, especificamente no Cartório de Registro de Imóveis.
Primeiramente, é preciso contextualizar e aprofundar melhor no cerne da questão, ou seja, do que de fato se trata esse tipo de registro. Conforme será demonstrado abaixo, independente de falarmos de união estável ou de casamento, urge a necessidade de que seja registrado nos cartórios de registro de imóveis tanto o casamento quanto a união estável, bem como as convenções antenupciais para que estas possam ser oponíveis a terceiros.
É Importante destacar que o disposto no artigo 1647 do código civil, que elege os atos que um cônjuge precisa da autorização do outro para praticar:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
Logo, o primeiro ponto a se destacar é que o registro do casamento ou da união estável na matrícula do imóvel, da oponibilidade à terceiros em relação necessidade de autorização ou não do outro cônjuge para a prática dos atos acima.
Mais importante ainda quando o casal adotou regime de bens diferente do legal, visto que o regime legal adotado tanto para o casamento quanto para a união estável é o de comunhão parcial de bens. Ou seja, caso as convenções antenupciais, que formalizam a adoção de regime diverso do legal, não forem registrados nas matrículas dos imóveis, terceiros poderão considerar o regime legal, ou seja, comunhão parcial, nas relações jurídicas para com esses imóveis, especialmente quando observamos o disposto no art. 1.657 do Código Civil e os arts. 167, I, 12 e 244, ambos da Lei de Registros Publicos, que abordam as convenções antenupciais.
Art. 1.657, As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
12) das convenções antenupciais;
Art. 244 - As escrituras antenupciais serão registradas no livro nº 3 do cartório do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros.
Nesse viés, explica Cezar Peluso: O casamento gera efeitos patrimoniais que poderão atingir terceiros (credores ou sócios de um dos cônjuges), por esse motivo, a lei exige que o regime de bens adotado pelos nubentes tenha amplo alcance por meio do registro imobiliário. Contudo, no entender de Paulo Luiz Netto Lôbo ( Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XVI, p. 279), a celebração do casamento e a existência de escritura pública de pacto antenupcial têm eficácia contra terceiros, no que se refere aos bens móveis. Se o pacto não for apresentado ao oficial do Registro de Imóveis, produzirá efeitos tão somente entre os cônjuges e seus herdeiros; porém, com relação a terceiros, o casamento será considerado como celebrado sob o regime legal, a comunhão parcial de bens. (PELUSO, Cezar, Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002, 2014, p. 1830).
Do disposto acima podemos concluir que para a maior segurança dos nubentes na prática dos atos de venda, oneração, doação e etc dos bens imóveis é recomendado o referido registro, para que os cartórios de registro de imóveis ou até mesmo de notas solicitem a assinatura do respectivo cônjuge nos documentos e atos necessários. Isso dá segurança a um cônjuge em relação às práticas do outro.
Por outro lado, se for adotado o regime de separação total de bens, é mais importante ainda o registro, visto que os cônjuges não poderão praticar os atos da vida civil de seus bens imóveis sem a assinatura do outro, já que os cartórios e demais contratantes solicitarão tal anuência, visto a falta de oponibilidade a eles, em razão do não registro.
Imperioso destacar que, apesar dos artigos e da doutrina em questão se tratarem de ‘convenção antenupcial’ e ‘casamento’, tais disposições serão aplicadas em analogia à união estável, visto que o termo de união estável visa muitas vezes formalizar a adoção dos efeitos do regime de bens escolhido entre o casal, fora do casamento, ou seja, convenção diferente da legal. Portanto, para que tenha efeitos perante terceiros, em relação exclusivamente aos imóveis, é necessário tal registro na matrícula. Tal entendimento é corroborado pelo doutrinador Luiz Guilherme Loureiro, conforme abaixo:
"Daí se infere que, para que a união estável possa produzir seus relevantes efeitos jurídicos em relação aos demais membros da comunidade, é preciso que seja inscrita no Registro Civil das Pessoas Naturais e averbada, quando for o caso, nas matrículas relativas aos imóveis pertencentes ao casal. Da mesma forma, eventual contrato de bens diverso do regime de comunhão parcial de bens deve ser inscrito no Registro de Imóveis, por aplicação analógica das regras dispostas nos incisos I, n. 12 e II, n.1, do art. 167 da Lei de Registros Públicos".
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos -Teoria e Prática, 2017.
Corrobora o entendimento acima, diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que tratam da vinculação entre registro de união estável, publicidade, oponibilidade perante terceiros e proteção a credores. Podemos citar um como exemplo, tendo em vista que os demais utilizam a mesma fundamentação, diferenciando-se apenas os casos concretos particulares:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE OUTORGA CONVIVENCIAL. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO AFASTADA. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Inadmissível o recurso especial referente à questão que não foi apreciada pelo Tribunal a quo, pela ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF.
2. De acordo com a jurisprudência dessa Corte, a invalidação de atos de alienação praticado por algum dos conviventes sem autorização do outro deverá observar se existia, a época em que firmado o ato de alienação, publicidade conferida a união estável mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis, em que cadastrados os bens comuns, ou mediante demonstração de má-fé do adquirente.
3. No caso dos autos, o TRF da 3ª Região consignou que a falta de outorga convivencial não ensejaria a anulação do negócio jurídico, pois o contratante teria se qualificado como "separado judicialmente", além de inexistir publicidade conferida à união estável mediante a averbação de contrato de convivência no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns.
4. A reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.
5. Agravo interno não provido.
AgInt no AREsp n. 2.165.267/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 3/11/2023.
Portanto, o registro da união estável nos registros de imóveis é prática altamente recomendável para criar oponibilidade a terceiros e garantir os direitos acima referidos. Nas relações entre o casal, a falta do registro não altera o pacto estabelecido, mas, para que tal pacto seja oponível a terceiros, como os cartórios e demais contratantes, é necessária tal averbação.



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